Expectativas vs. Realidade no ecossistema de startups em 2021
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O ano de 2021 trouxe novos desafios, mas também apresentou bons prognósticos para as startups brasileiras, com um mercado com menos turbulências e a consolidação de alguns hábitos digitais alavancados pela pandemia.
Para comentar como se comportou o ecossistema de inovação brasileiro em 2021 com relação às expectativas que existiam em janeiro do mesmo ano, André Barrence, Diretor do Google for Startups para América Latina, concedeu a entrevista abaixo. Nela, ele fala também sobre algumas tendências que devem se prolongar pelos próximos meses, o Marco Legal das Startups e o impacto de ações com foco em diversidade.
No começo do ano de 2021, você comentou em um artigo na revista Exame que 2021 seria um ano de aceleração e de consolidação, e não mais de adaptação, como foi 2020. Você acredita que isso realmente aconteceu?
André Barrence: Olha, vamos lá. É sempre mais fácil analisar previsões olhando para trás, né? Acredito que 2021 foi um ano em que houve, de fato, uma aceleração no ecossistema de startups. A frente de investimentos, por exemplo, foi uma que vimos ganhar mais velocidade. Os dados que monitoramos mês a mês e os consolidados do primeiro semestre já mostravam que teríamos volumes recordes de investimento aqui no Brasil, e chegamos ao fim de 2021 com 10 bilhões de dólares, de acordo com o Sling Hub, em 760 rodadas de investimento, o maior volume de capital de risco investido em startups brasileiras nos últimos cinco anos.
Outro movimento importante é o de fusões, aquisições e parcerias estratégicas que estão acontecendo. Não só entre grandes corporações que estão fazendo o seu movimento de transformação digital. Em diferentes setores vimos grandes empresas se relacionando e adquirindo startups para reforçar a sua estratégia digital. Começamos a ver agora o movimento das startups que estão adquirindo outras startups, como a Méliuz, que já tem capital aberto e começou a fazer diversas aquisições para fortalecer sua posição no mercado e ampliar o número de setores em que atua. Além disso, vemos startups que ainda não têm capital aberto, mas que começaram a comprar outras startups justamente para fortalecer seus times de produtos, suas tecnologias, e criar linhas de crescimento de negócio. Vimos inclusive startups da nossa rede que adquiriram outras empresas também da nossa rede. Um exemplo super legal foi a Omie, participante do Growth Academy, que em novembro adquiriu a Linker, participante do Programa de Residência em 2020. Esse tipo de movimentação é motivo de bastante orgulho.
Teve algum setor que você acredita que se destacou em 2021? E para 2022, quais são os setores mais promissores?
A.B.: O setor de fintechs não é surpresa que vai continuar sendo cada vez mais importante, inclusive em aquisições e fusões, porque é um setor que está passando por um processo muito acelerado de inovação para os usuários finais, as empresas e também em relação à regulação. Eu costumo dizer que vai acontecer no universo B2B o que aconteceu no B2C com as fintechs: essas transformações que deixaram o setor financeiro mais simples para os consumidores vão chegar também para as empresas. Esse setor vai continuar tendo relevância.
Como parte do movimento de Open Banking, veremos cada vez mais empresas desenvolverem ou se aproximarem da oferta de serviços financeiros. O varejo vai se integrar cada vez mais aos serviços financeiros, para criar uma jornada única para os seus usuários e competir pela atenção dele, que está cada vez mais olhando para diferentes opções e marcas na hora de consumir. Conectar-se aos usuários e mantê-los como parte do seu grupo de clientes vai fazer com que esses varejistas criem outros serviços, e a partir daí formem um ecossistema completo envolvendo serviços financeiros, logística e vários outros que fazem parte de uma jornada única.
O setor de saúde é outro que acredito que vai trazer grandes casos de sucesso de startups que estão revolucionando o acesso a esse tipo de serviço. As health techs estão revolucionando também o tipo de atendimento com foco em atenção primária, o que considero a base de um bom sistema de saúde de qualquer país. O investimento voltado a esse mercado tende a continuar crescendo, porque vivemos um período em que inovações aconteceram, seja no desenvolvimento de vacinas, de testes, mas também no atendimento ao usuário final. Tudo que vivemos de transformação de telemedicina, de atendimento remoto, não vai ter volta, e isso vai fazer com que outras inovações surjam e acelerem esse processo de digitalização da saúde na vida das pessoas.
Por fim, a educação vai ser não só uma oportunidade, mas uma necessidade para a qual empreendedores, governos e empresas vão precisar ter atenção, porque passa a ser um dos principais gargalos para a continuidade do crescimento do ecossistema e do mercado de tecnologia.
Este ano tivemos a aprovação do Marco Legal das Startups. Ao mesmo tempo, o Relatório de Impacto que lançamos em agosto indica que o ambiente regulatório ainda é um dos principais obstáculos para a evolução do ecossistema. O quanto você acredita que essa regulação vem evoluindo no país?
A.B.: O próprio fato do Marco existir já cria uma maior sensação de segurança jurídica para todos os atores que participam do ecossistema: empreendedores, investidores e o próprio governo. Existem aspectos no Marco que foram bastante debatidos e que, apesar do texto aprovado, investidores e empreendedores acreditam que já poderiam ser foco de evolução. Sobre a simplificação do investimento e a forma de atrair e reter talentos nas startups, esses são dois temas que vão merecer novas discussões. É um diálogo que não pode terminar com a existência do Marco.
Você acredita que o governo tem se digitalizado e acompanhado o ecossistema de inovação brasileiro?
A.B.: Assim como todo mundo, o governo também precisou se adaptar de uma maneira muito rápida para continuar servindo os cidadãos em diferentes frentes, como saúde, educação, serviços urbanos etc. É muito claro que houve uma aceleração na digitalização dos serviços públicos. Os grandes beneficiários disso são os cidadãos porque tiveram necessidades imediatas que foram atendidas. Imaginemos que contas digitais foram criadas para uma massa populacional como nunca antes, num período extremamente curto de tempo, para o recebimento do auxílio emergencial. Isso colocou no universo de serviços financeiros digitais uma parcela da população que estava até então fora desse mercado.
O grande desafio para o governo continua sendo a continuidade e o aumento da melhoria da experiência do usuário. Isso ajudou startups que vinham historicamente tentando trabalhar e interagir com o governo a se aproximarem cada vez mais do setor público, trazendo soluções para esses desafios. Junto a isso, começaram importantes investimentos em govtechs. Começamos a ver nos últimos meses fundos específicos para startups do setor, e isso tende a continuar, justamente, porque o próprio Marco criou formatos de experimentação que já vêm sendo utilizados para regulações ligadas ao Open Banking. Esses ambientes regulatórios controlados para testes vão ser de grande auxílio para estudar como melhor prestar serviços ao usuário e ao cidadão.
No começo do ano de 2021 você tinha dito que é fundamental que instituições e startups passem a agir com foco em diversidade, pois essa é uma pauta urgente e fundamental para o desenvolvimento e fortalecimento dos seus próprios negócios. Você sentiu que o tema ganhou força ao longo do ano? E o que você espera de 2022 neste sentido?
A.B.: O tema passou a ocupar pautas dos tomadores de decisão, dos fundadores e das lideranças das startups. Por outro lado, existem desafios reais para traduzir intenções em ações concretas de ampliação de diversidade. Não basta você trazê-las como parte de um código de cultura ou discurso, sem que você traduza em processos que gerem resultados. Eu conversei com muitas startups e outras organizações ao longo de 2021 sobre como colocar isso em prática de uma maneira que seja real e que produza impactos que talvez possam ser pequenos no princípio, mas que ao longo do tempo têm efeito multiplicador. Nem sempre as tendências de mercado ou sociais são rapidamente traduzidas e implementadas nas organizações. Existem casos bastante concretos de startups e empresas de tecnologia que estão realizando ações importantes, que vão demandar esforços concretos, sustentados e prolongados. Eu não acredito e não acreditava lá em 2020 que os resultados seriam em um ano, pois estamos falando de temas estruturais da nossa sociedade. Eu quero acreditar que aqueles que começaram as ações vão ter a coragem de persistir. Mas é importante não deixar de trazer à tona a importância e a relevância delas. E essa discussão precisa continuar.
Ao longo de 2020 vimos muitas mudanças de hábitos e costumes, principalmente por causa do distanciamento social. Você acha que esse modo de vida mais digital ainda vai continuar em 2022 e pode impactar as startups?
A.B.: Houve determinados tipos de atividades e setores com quedas muito abruptas no primeiro momento da pandemia. Depois houve retomadas em pico, com quedas de novo, até que encontrou-se um patamar de maior estabilidade que se sobrepunha ao pré-pandêmico. Ou seja, independente dessas flutuações, eu acredito que a consolidação dos hábitos digitais se encontra num patamar maior do que era antes. Em diferentes setores essa dinâmica tem as suas especificidades, mas em qualquer cenário, mesmo que tenha ainda alguns obstáculos, os dados demonstram que o digital veio para ficar.
E as startups vão poder se beneficiar bastante desse movimento, mas agora com mais competição. Esse é um ponto importante. Uma das coisas que vimos é um enfraquecimento ou diminuição da fidelidade por determinadas marcas. Hoje o usuário está muito mais aberto a experimentar outras marcas e serviços, e a pesquisar mais opções até tomar sua decisão. Isso é ótimo porque, normalmente, as startups são os players desafiantes nos seus mercados. Elas estão desafiando marcas consolidadas que têm essa captura do usuário e do consumidor. Por outro lado, você tem mais startups lutando pela atenção dos novos usuários, que estão cada vez mais digitais. No fim das contas, o usuário pode se beneficiar muito, porque quem servi-lo melhor provavelmente vai conseguir fidelizá-lo, mas a fidelização não vai acontecer de uma maneira rápida como acontecia no período pré-pandemia.
Na sua opinião, há alguma tendência ou consolidação de tecnologia que se destacou em 2021?
A.B.: Existem discussões acontecendo ao redor da chamada Web 3.0. Outro dia vi uma definição super simples sobre o tema: a Web 1.0 era read, então era poder acessar uma página e ler sobre um tema de interesse, por exemplo. A Web 2.0 era read and write, ou seja, você ler e ter a possibilidade de publicar, que são as redes sociais. E aí chega a Web 3.0, em que você read, write and own. Você pode agora possuir ativos dentro da internet, que é toda essa discussão que vem acontecendo sobre NFTs e o Metaverso, por exemplo. Essa é uma tendência interessante, que é o começo de uma nova jornada dentro da internet, e há várias startups que estão surgindo e apostando nessa vertente.
São importantes aprimoramentos de segurança, que vão trazer uma melhor experiência e criar um ambiente de relações de consumo mais seguras. Há boas inovações acontecendo nessa frente e que tem muito a ver com IA, com a quantidade de dados acessados e processados. Com a pandemia, novos padrões foram descobertos a partir do uso de ferramentas de aprendizado de máquina, que informam melhor a tomada de decisão sobre o que fazer com aquele usuário. Tivemos, inclusive, um novo unicórnio brasileiro no tema de segurança e identidade digital, que é o unico IDTech.
Qual foi a principal surpresa que você encontrou no universo de startups em 2021? Houve alguma previsão ou tendência de 2020 que não se concretizou nesse último ano?
A.B.: Um tema que ainda não ganhou a tração que tem potencial para alcançar é a sustentabilidade. É um tema transversal entre setores que vai ganhar relevância global, incluindo grandes empresas nas discussões de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa, em inglês). Eu realmente acreditava que em 2021 já existiria um número maior de startups criando soluções inovadoras para a aceleração de uma economia de baixo carbono, green finance e outros, temas que considero fundamentais. Além da urgência, há uma oportunidade econômica muito clara aliada ao impacto socioambiental positivo.