Como aumentar a presença feminina no meio da inovação?
Trabalho no mercado de inovação e levanto a bandeira pelo desenvolvimento do empreendedorismo feminino há muitos anos. Costumo dizer que sou uma intraempreendedora, pois nos cargos que ocupei, me dediquei para fazer a diferença na carreira e na visibilidade das mulheres, tanto durante a minha jornada de nove anos no Google quanto na General Electric, onde iniciei a minha trajetória profissional.
Estou no Google for Startups desde 2016, ano em que chegamos ao Brasil. Foi aqui que me vi com recursos, tempo e incentivo para, de fato, trabalhar para mudar uma situação que vem enraizada geração após geração. Desde o início, estabeleci para o meu trabalho provocar as fundadoras (e fundadores) e os seus times sobre o futuro que estão criando e como podem torná-lo mais inclusivo, saudável e impactante para si mesmos, para seus clientes e para a sociedade como um todo.
Já é provado que as mulheres carregam um papel cada vez mais importante como líderes, principalmente em tempos difíceis. Segundo um estudo do Boston Consulting Group (BCG), as mulheres conseguem desenvolver uma visão mais completa do negócio, obtendo melhores resultados a longo prazo. Além disso, histórias de sucesso e fracasso têm incentivado mais mulheres a entrarem no mundo do empreendedorismo, comprovando que aquilo pode ser pra elas também, se elas quiserem.
Ainda assim, o mercado de trabalho de uma forma geral continua sendo muito desafiador para mulheres e essa realidade se reflete no ecossistema de startups do Brasil e do mundo. Um estudo divulgado pela Crunchbase em 2020 indicou que, mesmo apresentando um aumento de oito vezes nos últimos dez anos, os investimentos em empresas fundadas por mulheres representam apenas 2% do total. E essa realidade mantém o meu questionamento: o que podemos fazer para aumentar a presença feminina no meio da inovação?
Em busca de soluções
Nesses cinco anos em que o Google for Startups atua no Brasil, propusemos ações afirmativas para chegar cada vez mais perto desse objetivo. Como resultado, tivemos um aumento de 31% para 43% na presença das mulheres na comunidade como um todo. As mulheres fundadoras representam 21% da rede. Hoje, são 28%.
A crescente é visível e bem vinda, e é fruto de muitas iniciativas combinadas nesses cinco anos de investimento contínuo e focado. A mais recente delas é a primeira turma do Google for Startups Accelerator em 2021, que selecionou apenas startups com mulheres como fundadoras ou em cargos de liderança. Um programa técnico que começou pouco diverso por sua natureza, hoje é mais um símbolo do futuro que gostaríamos de construir no ecossistema brasileiro.
Também acompanhei de perto o nascimento e profissionalização de iniciativas cruciais para o avanço que temos no ecossistema hoje. É impossível não citar a aceleradora e hub de inovação B2Mamy, ou por exemplo a versão regional da Female Force, rede de mentoria de mulheres para mulheres, liderada pelas fundadoras do fundo de venture capital MAYA Capital, Monica Saggioro e Lara Lemann. Continuam surgindo em boa velocidade todos os tipos de iniciativas tentando combater esse gap de diversidade, seja com educação, advocacy, redes de suporte, programas de preparação e, reforço, o que considero mais importante: dando a visibilidade que essas mulheres merecem. Afinal, não dá para se inspirar naquilo que não se vê.
Se há uma coisa que eu aprendi nesses anos todos trabalhando ao lado de mulheres brilhantes é que elas são capazes de superar os obstáculos e chegar ao seu lugar de destaque. Hoje as mulheres se sentem representadas por nomes como Cristina Junqueira, fundadora do Nubank; Ana Luiza McLaren,CEO do Enjoei; ou Paula Bellizia, ex-presidente da Microsoft e Apple no Brasil, hoje Vice-Presidente do Google. Inclusive, tive a oportunidade de bater um papo com a Ana e com a Paula sobre protagonismo feminino na tecnologia no nosso primeiro Google for Startups Talks do ano. É inspirador ouvir líderes como elas falar sobre como as mulheres vêm conquistando cada vez mais espaço nas empresas de tecnologia e startups. Se você perdeu essa conversa ou quer rever, basta clicar aqui.
A importância dos aliados
Os resultados e exemplos que temos dentro do nosso mercado me deixam animada, mas permaneço com o pé no chão. Sei que ainda há muito a se caminhar para diminuir o abismo de diversidade no ecossistema e, em um mercado majoritariamente masculino, as mulheres não devem percorrer essa jornada sozinhas. Não será possível atingir esse objetivo se os homens também não estiverem na luta ao nosso lado. Os aliados – neste caso, os homens que entendem a importância de lutar por igualdade de gênero – são cruciais neste movimento.
O que um homem que quer se tornar um aliado pode fazer? Elevar uma mulher quando falando para um grupo, ajudar uma mulher na sua carreira, dar espaço e muitas vezes ceder seu lugar para uma mulher que tem tanto a compartilhar como ele – seja em uma palestra, um painel, uma entrevista ou mesmo na reunião dentro da sua própria empresa. Eu mesma vivencio este tipo de situação no meu dia a dia, seja com públicos internos ou externos.
Para dar um exemplo, temos como regra no Google for Startups não participar de eventos onde não há presença de mulheres entre os palestrantes e participantes de painéis. Quando um convite desses acontece, o André Barrence, nosso líder, Head do Google for Startups na América Latina, gentilmente sugere que a minha participação poderia ser benéfica para melhorar a discussão no evento, e acabamos dessa forma influenciando outras organizações a pensarem no assunto.
Eles também podem mudar a lógica e começar a investir mais em empresas fundadas e lideradas por mulheres, dando espaço para que elas ocupem cargos de liderança e se destaquem no mercado. Como citei, o percentual de mulheres fundadoras na nossa comunidade está em 28%, sendo que as startups da nossa rede têm mais colaboradoras mulheres que homens – 51% versus 49%. Em uma roda de conversa entre empreendedoras, tentamos chegar aos nomes dos próximos unicórnios que terão mulheres como CEOs. Se você conseguir citar um ou dois, já é muito. O que ainda está faltando para avançarmos mais ainda?
As respostas que tenho
Vejo e comemoro a melhora no cenário de desigualdade entre os gêneros no nosso ecossistema, mas admito que ainda estamos longe do que é ideal. A pandemia da COVID-19 expôs o fato de que toda a força que colocamos para caminhar "pra frente" nesse tema, parece pequena frente à realidade do nosso país. Os dados mais recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelam que o percentual de mulheres atuantes no mercado de trabalho alcançou o nível mais baixo desde 1990, chegando a 45,8% no terceiro trimestre de 2020. Há 30 anos, a taxa era 44,2%.
Muitas dessas mulheres deixaram a força de trabalho para se dedicarem às suas casas, suas famílias ou por demissão. Não é nem de longe comparado ao número de homens que tiveram que fazer o mesmo. A sociedade ainda impõe que cabe à mulher o papel principal de cuidar da casa – mas isso deveria ser uma escolha de cada mulher e não um fato contra o qual não conseguimos lutar.
Mas vamos seguir lutando. Quando eu penso no que conseguimos fazer de 2016 para cá, imagino que em 2021 teremos ainda mais motivos para continuar arregaçando as mangas. A única resposta e certeza que tenho até então é que sem um esforço coordenado de governos, organizações da sociedade civil e das pessoas, a falta de representatividade no ecossistema de inovação e em todo o mercado pode e irá perdurar por mais décadas sem um avanço significativo.