Black Founders Fund: conheça os afroempreendedores por trás das primeiras startups selecionadas
A comunidade negra movimenta trilhões de reais anualmente no Brasil, fato que reforça o seu poder na economia do país. Mas quando paramos para refletir sobre as diversas questões em torno desse consumo, nos damos conta de que grande parte desse dinheiro não está girando para fomentar afroempreendedores.
Para entender melhor esse ecossistema e como ele pode mudar a realidade da comunidade negra, conversamos com os líderes das três startups selecionadas para receber a primeira leva de investimentos do Black Founders Fundno Brasil. Em nossas conversas, cada um contou os desafios enfrentados ao longo de sua jornada empreendedora, e compartilhou dicas para os afro-brasileiros que buscam empreender no país. Confira abaixo as histórias da TrazFavela, Creators e Afropolitan, bem como dos empreendedores por trás desses projetos que lutam por um país cada vez mais igualitário, inclusivo e diverso.
No ano de 2018, Iago Santos se deparava com uma realidade bastante dura em Salvador: as zonas periféricas da cidade não estavam contempladas na área de entrega dos apps de delivery. Para quem mora nessas regiões, é mais uma forma de preconceito a ser enfrentada. Mas, para quem quer empreender, é um problema que se transformou em oportunidade.
Foi assim que, junto com Ana Luíza Sena e Marcos Silva, ele começou a construir a ideia por trás da TrazFavela, um app de delivery que não só entrega dentro de comunidades, como também incentiva os comerciantes dessas áreas, ao permitir que façam parte da rede de fornecedores de produtos.
Fundada pelos três no mesmo ano, a empresa participou de diversos programas de incubação e residência, inclusive o Startup Zone, do Google for Startups, e o Programa de Aceleração da Vale do Dendê, até chegar ao Black Founders Fund. E essa jornada não foi fácil, como relatou Iago em nosso bate-papo. “Em alguns eventos voltados para startups, cheguei a sentir um certo preconceito por parte das outras pessoas. Algumas me falaram que a TrazFavela não ia dar certo, por ser um delivery voltado para a periferia”, conta ele.
Ainda assim, Iago não desistiu porque sabia dos impactos positivos que seu negócio traria para as comunidades soteropolitanas. “Eu vejo uma grande mudança acontecendo para quebrar o preconceito com as favelas e outras comunidades periféricas, e fortalecer o empreendedorismo dentro delas. E a TrazFavela, junto com outras startups, faz parte disso”, comenta o fundador.
Segundo Iago, essas startups são uma forma de reforçar a ajuda ao próximo dentro das comunidades. “Se eu conseguir mudar a vida de um vizinho meu, é sinal de que estou fazendo algo certo!”, comemora ele.
Ainda assim, a realidade dos afroempreendedores é bastante desprivilegiada quando comparada à de empreendedores brancos. Uma das dificuldades enfrentadas por Iago foi a da maioria dos empreendedores negros no Brasil: pedir crédito a investidores. “Já passei por isso muitas vezes. Geralmente, te olham torto e não levam seu negócio a sério. Mas a minha esperança é que esse cenário se modifique. Com essa credencial do Google, do fundo para os empreendedores negros, acredito que a jornada tende a ficar um pouco mais fácil”, conta.
Além disso, Iago conta que sempre teve contato com o ecossistema de startups, mas nunca entendeu a fundo como funcionava até, de fato, começar a empreender. “Tudo começou no Startup Weekend. Sou designer gráfico por formação, e trabalhar como auxiliar de eventos numa aceleradora de startups foi a oportunidade que tive de aprender o suficiente para iniciar a minha jornada empreendedora”, relata o fundador. “Para quem empreende, às vezes bate a vontade de desistir. Mas meu conselho é não ter medo de fazer isso se você sente que algo ainda melhor pode vir no futuro”, finaliza.
O afroempreendedorismo tem uma capilaridade muito grande, sem se limitar a negócios de comunidades periféricas, e atingindo diversos setores, como a indústria criativa. Quem também se arriscou nessa jornada foi Nohoa Arcanjo, fundadora da Creators, que abandonou seu emprego em uma multinacional para se arriscar no cenário incerto do empreendedorismo. “Meu início foi privilegiado, porque sou sócia do meu marido. Mas tive que fazer uma escolha: abrir mão de um bom cargo e salário em uma multinacional. Precisei me planejar bem”, conta.
A Creators é uma rede de talentos criativos que faz a mediação entre o contratado e o contratante, por meio de uma curadoria de grandes nomes dessa indústria. Foi fundada em 2019 por Nohoa e seu marido Rodrigo Allgayer, em São Paulo, com a ideia de conectar empresas a freelancers, fazendo toda a ponte do início ao fim do contrato. A empresa participou do Startup Zone e do Programa de Residência, do Google for Startups e, hoje, é referência no campo em que atua. Mas a jornada de Nohoa foi – e continua sendo – bastante desafiadora no universo do empreendedorismo.
“O ecossistema de startups precisa ser educado, assim como o mundo todo. As pessoas começaram a entender a importância dessa pauta de diversidade agora, por isso é um bom momento para continuarmos a fazer algum barulho”, diz a fundadora. Segundo ela, sistematicamente pessoas negras têm menos privilégios para empreender, uma vez que existe uma diferença muito grande de oportunidades.
Ao falar mais sobre sua trajetória, a empreendedora conta que em seu último emprego teve a chance de ser desenvolvida por uma das poucas CEOs negras no Brasil, Rachel Maia. “A Rachel entendeu que teria que me puxar pela mão e isso fez uma grande diferença para mim. Foi muito importante, porque eu aprendi a lidar com grandes questões, liderei projetos enormes, consegui treinar meu inglês. Não tenho pós ou MBA, mas falar inglês fez toda a diferença na minha vida profissional”, comenta.
Nohoa também falou sobre o racismo velado no Brasil. “É mais uma questão de olhares, de menos interações, menos conexões. Não passei por uma situação de racismo explícito, mas já fui excluída de alguns eventos do ecossistema”, conta. Por isso, ela pontua a importância do Black Founders Fund como ferramenta para inclusão e diversidade. “É totalmente necessário. Todos os programas de startups que o Google proporciona são uma faculdade, e esse fundo é um privilégio ao qual as pessoas negras não estão habituadas. Graças a ele, muitos afroempreendedores vão ter acesso à informação, vão poder se estruturar melhor, vão se tornar empreendedores por conhecimento e oportunidade”, complementa ela.
“Além do preconceito, as dificuldades se intensificam pela falta de oportunidade de aprendizado. Eu sinto que tenho uma responsabilidade por fazer parte do movimento do afroempreendedorismo, e espero poder fazer cada vez mais”, finaliza Nohoa.
O preconceito também causa impacto no reconhecimento de artistas e produtores negros. No Brasil, mais de 56% da população se autodeclara negra, segundo o IBGE. Com uma cultura bastante diversa, o país carrega forte influência das matrizes africanas em seu DNA, fato que pode ser notado em diversas manifestações culturais. Mas essas pessoas acabam não tendo a visibilidade que merecem e isso corrobora para um sistema que deixa muito a desejar em termos de inclusão.
Para mudar esse cenário, Thiago Braziel e Elida Monteiro decidiram criar a Afropolitan, uma plataforma de impacto social que busca reunir e divulgar produtos de afroempreendedores emergentes por meio de um ecossistema colaborativo. A startup foi fundada em 2019 e, em 2020, foi uma das selecionadas para participar do StartupZone, do Google for Startups. Hoje, a plataforma concentra um acervo diversificado, desde roupas e produtos de beleza, até livros e outros produtos que fomentam a cultura afro no Brasil.
Ao falar sobre sua trajetória no empreendedorismo, Thiago comenta que nunca teve o sonho de empreender. “Estudei em escola pública e comecei a ter acesso a diversas oportunidades quando entrei no curso de administração na UFF – fui o primeiro da família a entrar para o ensino superior. Fiz amizade com meus professores e consegui meu primeiro estágio em políticas públicas em uma associação afrocultural. Depois disso, percebi que nasci pra lidar com questões raciais”, conta.
Para Thiago, que costumava ser bastante idealista, a vontade de empreender veio ao perceber que a maioria das vagas de emprego pediam competências que estavam distantes da sua realidade. “Quando me deparei com esse cenário, percebi que tinha que fazer algo para mudá-lo. As vagas buscavam pessoas com duas ou três línguas, graduações, e eu não tinha nada disso”, explica ele.
Em 2018, os fundadores conheceram Hasani Damazio, que ajudou a encabeçar o projeto da Afropolitan e investiu não apenas na empresa, mas também em ajudar a desenvolver as habilidades que precisavam para seguir em frente com o negócio. Mesmo com esse suporte de peso, os fundadores enfrentaram muitos desafios. “A nossa raça sofre muito preconceito no mercado de trabalho, e precisamos aprender com essas adversidades. O afroempreendedor se deparara com diversas dificuldades, como financiamento, conhecimento de gestão e performance, visibilidade e credibilidade”, acrescenta Thiago.
Além disso, também existe a questão do racismo estrutural, que concentra a circulação do dinheiro entre os brancos. “Eu acredito que podemos ser a transformação. Não quero meu povo recebendo migalha de ninguém, com todo o respeito aos bens intencionados. Quero mostrar aos negros que conseguimos desenvolver oportunidades comerciais e diminuir a força do racismo no mercado”, explicou Thiago. Para ele, é importante criar oportunidades igualitárias e permitir que a riqueza também seja compartilhada dentro da comunidade de afrodescendentes.
Thiago também acredita que o afroempreendedorismo entra com duas missões muito importantes em uma realidade de 20 milhões de desempregados: gerar emprego e renda e construir uma comunidade negra cada vez mais forte no país. “Eu tenho como ambição ajudar a consolidar uma classe média negra no Brasil. Construir uma classe robusta de afroempreendedores bem sucedidos no nosso país”, finaliza.
TrazFavela, Creators e Afropolitan são as três primeiras startups selecionadas para participarem do Black Founders Fund, uma iniciativa para investir recursos financeiros, sem qualquer contrapartida ou participação acionária, em startups fundadas e lideradas por empreendedores negros no Brasil. Com duração prevista de 18 meses, o fundo investirá em cerca de 30 empresas que estejam buscando investimentos em estágio seed. Para saber mais sobre o fundo, clique aqui.
Saiba mais sobre a Afropolitan, Creators e TrazFavela:
Afropolitan: Site, Facebook, Instagram e YouTube